Sou Flávio Casas de Arcega, fui candidato a representante dos empregados no Conselho de Administração do Serpro e nos últimos dias fui procurado por colegas de trabalho que andavam aflitos com o anúncio de privatização da empresa. Um destes colegas, em especial, me procurou informando que teria contato com um deputado eleito pelo povo paranaense e que estaria disposto a levar ao plenário da câmara anseios dos empregados. Pensando nisso encaminhei esse texto ao nobre colega, são algumas dúvidas que gostaria que fossem respondidas pelo pessoal que é favorável a privatização ou abertura de capital das empresas Serpro e Dataprev. Publico esse texto na esperança de que representações sindicais ou até mesmo outros deputados possam servirem-se deste conteúdo.
A importância do Serpro e a Dataprev para o Cidadão
A proteção de dados pessoais tem como base valores fundamentais previstos pela nossa constituição, como, o respeito à privacidade; à autodeterminação informativa; à liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; ao desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; à livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor e aos direitos humanos liberdade e dignidade das pessoas.
O Serpro a mais de 50 anos processa dados dos cidadãos, respeitando direitos, e lidando com informações de alto nível de sigilo como por exemplo: dados Imposto de Renda de Pessoas Físicas e Jurídicas; dados relacionados aos CPFs e CNPJs; Carteira de Motorista; operações de importação, exportação e controle portuário; passaportes; programas sociais e repasses federais; registro de veículos em todo o país, bem como dados de furtos e roubos relacionados; dados da Agência Brasileira de Inteligência, da Presidência da República, dos Ministérios e uma série de outros órgãos da Administração Pública Direta. Importante destacar ainda contribuições históricas à democracia como o desenvolvimento inicial da urna eletrônica, do Porto Sem Papel, do intenso uso do software livre proporcionando ao Estado redução gigantesca de gastos com licenças de software além de independência para com fornecedores.
A Dataprev, que tem como principal cliente o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), é responsável pelas informações de mais de 34,5 milhões de aposentados e pensionistas. Responsável também pelos programas da rede de atendimento do INSS e do Sistema Nacional do Emprego, por todos os registros de nascimento e óbito, informações de caráter extremamente pessoal do cidadão.
Sabemos que existe um amplo mercado informal, e ilegal, de dados pessoais. Não é raro nos depararmos com casos de vazamentos de gigantescas bases de dados, até mesmo de instituições do setor financeiro. No entanto, estas empresas possuem uma história de excelência técnica, de credibilidade e de seriedade na missão de guardar essas informações. São empresas que todos os anos sofrem pesados ataques, que lidam com um volume enorme de dados e ainda assim mantêm a credibilidade alta. E por serem empresas públicas, elas têm compromissos e deveres para com a sociedade. Estão submetidas aos princípios da administração pública: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, e ainda submetidas a lei da transparência e a lei de acesso à informação.
A importância do Serpro e Dataprev para a estratégia de Governo Digital
É necessidade de toda organização otimizar recursos e inovar, e com o Estado Brasileiro isso não é diferente. E é neste momento em que vivemos, tempos de inteligência artificial, big data e internet das coisas, que o conhecimento acumulado nestas empresas, em mais de 50 anos de atividade, faz total diferença. Pelas redes, computadores e sistemas do Serpro e Dataprev passam praticamente todas as informações estruturantes do Estado. As pessoas que nestas empresas trabalham conhecem detalhes do Estado em um nível que certamente poucos brasileiros podem imaginar. E o conhecimento é matéria-prima fundamental para o desenvolvimento e a inovação. Quando associado à competência técnica, garantem a eficiência nos projetos e a efetividade nas soluções.
O Serpro e a Dataprev desenvolvem soluções tão capazes quanto aquelas colocadas à venda por gigantes multinacionais. E se por um lado, o câmbio é bastante desfavorável para a compra destas soluções, por outro deixa o Estado Brasileiro ainda mais dependente destas empresas estrangeiras. Com os softwares desenvolvidos pelas empresas públicas é possível resolver problemas comuns em muitos órgãos do Estado, desde a esfera federal até a esfera municipal, incluindo ainda embaixadas em fronteiras internacionais. E para apresentar soluções inovadoras, não basta apenas conhecer da tecnologia, é preciso também conhecer do negócio, é nesse aspecto que estas empresas se diferenciam.
O Resultado Econômico
Serpro e Dataprev são organizações tidas como modelo de gestão dentro do Estado Brasileiro, por isso, não é mera coincidência elas estarem todos os anos nas listas de revistas especializadas do tema. Mas, por serem empresas intimamente ligadas ao funcionamento do Estado e terem por objeto social o atendimento prioritário de sistemas estruturantes (muito específicos da administração pública brasileira), acabam também dependendo diretamente da disponibilidade financeira da administração pública. Nesse sentido, quando o orçamento público não possui disponibilidade para investimentos, as empresas acabam tendo poucas saídas a disposição. É preciso reconhecer o esforço que se faz em desacoplar parte das soluções visando reaproveitá-las e revendê-las em outros cenários, porém, a maioria dos grandes sistemas desenvolvidos por estas empresas são soluções específicas para problemas específicos do Estado Brasileiro.
Diante destes fatos, o então Presidente Caio Paes de Andrade vem fazendo declarações que apontam como saída para a falta de orçamento a privatização. Em declaração recente ao Valor Econômico ele diz explicitamente que vê “a privatização como unico caminho possível à empresa para conseguir os investimentos necessários ao desenvolvimento de novos produtos e ganhar novos clientes no mercado privado”.
Perguntas
Quando uma Petrobrás, por exemplo, encontra um novo poço de petróleo ou nova fonte de energia e vai ao mercado pedir investimentos, é lógico que o investidor vê oportunidades de ganho uma vez que aquela riqueza natural será transformada em riqueza financeira a ser realizada no mercado e repartida entre os investidores.
Para o caso das empresas públicas em questão, não parece improvável que investidores queiram arriscar seus capitais em uma empresa que têm como foco prioritário o atendimento de sistemas estruturantes da administração pública? Ainda mais em um cenário onde a EC96 limita o aumento de gastos?
Nos últimos anos estas empresas apresentaram resultados financeiros positivos, muito por conta do pagamento de dívidas atrasadas, o que as retira da situação de deficitárias e dependentes. É prudente o Estado se desfazer de empresas que estão em plena saúde financeira? E como é que, na condição de empresa privatizada, o Estado iria manter o atendimento dos serviços ao cidadão supondo que esta situação de inadimplência pode voltar a se repetir?
Há casos em que sistemas que foram desenvolvidos fora destas empresas, ao serem entregues não atendiam aos propósitos que se propunham causando situações prejudiciais ao Estado por conta de prazos e outras exigências legais. É sabido que softwares personalizados estão entre os tipos de produtos que estão sujeitos aos mais diversos problemas, destacando-se entre eles o superfaturamento de projetos. Sem a experiência de profissionais especializados no negócio e também tecnicamente a dificuldade de mensurar e gerir estes projetos é ainda maior. Como o governo pretende resolver essa questão sem estas empresas públicas? O atual governo possui uma estratégia real para um Governo Digital ou é apenas mais uma peça de propaganda?
O Serpro e Dataprev possuem Centros de Dados, Redes de Dados e uma série de outras infraestruturas que permitem conectar órgãos da administração pública de forma sigilosa por todo o território nacional. Esta infraestrutura, quando administrada por estas empresas, permite um nível de reaproveitamento que lhe confere uma otimização do uso ao mesmo tempo em que garante níveis altíssimos de qualidade dos serviços, ainda mais agora com o uso ampliado de nuvem computacional. O governo possui um plano claro para a migração desses serviços de forma eficiente tecnicamente e economicamente? Porque é que se pretende trocar uma estrutura hoje funcional e confiável por outra duvidosa?
Para os casos em que a iniciativa privada não vier a cumprir com os direitos previstos na constituição, agora com a Lei Geral de Proteção de Dados, e com demais exigências que a sociedade vier a fazer. Como é que o governo pretende lidar com estas situações? Que garantias o governo dará ao cidadão que hoje tem lei de acesso à informação, legislação pertinente e uma série de outros instrumentos da democracia a seu favor?